sábado, 12 de dezembro de 2015

Parcimônia Frenética #4 - Na ponta da língua (Parte 4)

Quando Cherry acordou no dia seguinte a sua mãe já havia ido trabalhar. Isso não era tão comum assim, mas também não era incomum. Ela simplesmente deixou esse fato de lado e preparou ela mesmo seu café da manhã. Talvez uma manha calma e isolada com seus pensamentos fosse melhor mesmo. Passou a manhã largada no sofá em frente à televisão com uma tigela de cereais nas mãos e risos bobos causados pelos desenhos matinais.

Quase perdeu a hora, mas não por não ter percebido que horas eram. Isso seria muito difícil. A boa percepção de Cherry quase nunca a deixava na mão em relação a horários. Se ela quase se atrasava, ou chegava a se atrasar, ela fazia por vontade própria. Essa manhã a causa era um misto de preguiça e nervosismo. Talvez não nervosismo em si, mas ansiedade. Quanto mais a hora de sair para a escola, mais ela se preocupava com o que faria.

Banho, roupas, mochila no ombro, botas mal amarradas... A rotina de sempre. A mãe não estava em casa, então ela não a levaria para a escola como normalmente. Mas o ônibus ainda não tinha passado, estava quase atrasado assim como ela. A maioria dos seus amigos ia de carona ou tinham seus próprios carros, então ela não encontrou nenhum deles no ônibus. Por um lado ela se sentiu melhor, mas tempo para pensar. Por outro ficou ansiosa de novo, queria conversar com alguém e tirar aquelas coisas da sua cabeça.

Enfim chegou à escola, mas não teve tempo de encontrar ninguém. O alarme avisando que a primeira aula começaria em alguns minutos já estava tocando. Ela correu para a sua sala e se acalmou automaticamente quando encontrou os amigos sentados nos lugares de sempre. Sorriu e respirou fundo enquanto caminhava para o seu próprio lugar.

A aula já havia começado, mas uma de suas amigas insistia em lhe chamar a atenção. Cherry não gostava muito de conversar em aula, por medo de ser repreendida e passar vergonha mais do que qualquer coisa. Mas acabou se virando para o lado e acenando com a cabeça.

- "Você está bem?" - Nellie articulou a pergunta com os lábios sem emitir nenhum som.

Cherry estranhou a pergunta mas acenou afirmativamente.

- "Tem certeza?" - Nellie articulou novamente.

Ela tinha certeza de que não tinha feito nada de anormal na frente dos amigos, então não fazia ideia do motivo da preocupação de Nellie. Apesar de tal preocupação ser parcialmente fundamentada, afinal Cherry estava de fato nervosa. Mas ela simplesmente acenou afirmativamente mais enfaticamente e voltou a sua atenção à aula.

Quando o período terminou, Nellie foi a primeira a levantar e foi até sua cadeira. Ela abraçou Cherry por trás sem dizer nada. Parando para pensar, Nellie sempre parecia saber quando seus amigos estavam com problemas mesmo que ninguém. Ela sempre foi meio assim. Só agora que acontecia com ela Cherry pareceu notar.

Seus outros amigos se aproximaram enquanto o resto da turma se reunia em seus próprios grupinhos ou saia da sala.

- Nossa, quanto amor... - comentou uma das garotas.

- Tudo bem, Cherry? - perguntou Josh, aquele que sempre lhe oferecia carona.

- Sim, sim... Só... Eu não sei bem...

- Alguma coisa te preocupando? - perguntou Nellie a soltando e sentando no lugar vago ao seu lado.

- Na verdade, sim... Mas é bizarro... Sei lá, acho que é bobagem.

- Falaí! -  comentou John, o amigo que todos desconfiavam que usava alucinógenos de tempos em tempos, e estava sempre discutindo sobre esoterismos e bizarrices. E que nunca considerava nada bobagem ou sem sentido. Tudo acontecia por uma razão e tudo mais.

- Bem... Algum de vocês sabem o que esse gesto quer dizer?

E ao perguntar, Cherry levou seu dedo direito até a boca e tocou de leve a ponta de sua língua.

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