quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Juliana vs. Carla

Juliana estava assistindo a sua aula de cálculo na faculdade de engenharia mecânica. Todo mundo já sabia que era a matéria que mais reprovava, então ela sentava na primeira fileira na sala. Todo mundo via seu cabelo longo preto, suas roupas e seus óculos. Eles estavam ainda começando a matéria e o tópico do dia era limite.

A senhora devia ter uns 35 anos, e ja era doutora. Tinha estudado computação em Harvard e já teve alguns artigos publicados. Continuamente se perguntava a razão pela qual ela foi designada para dar aula de Cálculo. Ela devia estar auxiliando grupos de pesquisa a obter mais resultados e não dando aula para um bando de calouros que mal sabia fazer uma integral de uma função polinomial.

- Bom dia.

Silêncio na sala. Ela já esperava.

- Então, meu nome é Carla Kunitz, e eu vou ser a professora de cálculo de vocês esse semestre. Vocês vão ter quatro provas. Se nas duas primeiras vocês obtiverem média 7 vocês passam. Caso contrário se três provas tiverem média 5 também pasam. Qualquer outro caso é reprovação. Vocês só tem direito a três provas e quarta é e segunda chamada apenas.

Mais silêncio.

- Então vamos começar? Hoje nós vamos falar de limites.

A sua aula prosseguiu similarmente a uma palestra. Juliana ficou puta. Não entendeu porra nenhuma. Mal conseguia lembrar o que era uma função e agora a mulher estava falando que o valor da coisa ia pra infinito quando dividia por 0. Toda aquela formalização carregada de teoria matemática não entrava na cabeça dela. Passados 15 minutos de aula ela interrompe a professora.

- Professora. - Ela disse com a mão estendida.
- Sim.
- Então professora. Eu não entendi.
- O que você não entendeu.
- Tudo.
- Você quer dizer que não entendeu nada do que eu falei.
- É. Podemos dizer que sim.
- Onde está a dificuldade aqui.
- É que você simplesmente escreveu essas coisas aí e não explicou nada.
- Oras, está tudo aqui.
- Não. Aí tem uma porção de coisa que eu não to entendendo.
- Ah, é porque eu ainda não falei sobre derivadas. Aí você vai entender a razão disso.
- E você vai falar sobre derivadas hoje?
- Posso falar. Até porque a derivada é um limite.
- Legal, mas de onde surgiram essas coisas. Como é que a gente vai usar isso?
- Pra nada.
- Nada?
- É.
- Então, qual é o propósito dessa aula.
- Manter o currículo de vocês de acordo com o padrão da universidade.
- Ah sim. Então tá né...

Carla notou a decepção de Juliana. E começou a lembrar dos seus próprios tempos de universidade. Ela começou a notar que, por mais que seja mais velha, e já tenha passado por isso, a outra pessoa não estava nem aí. Ela tinha coisas mais importantes. Uma família pra dar atenção, arrumar um emprego pra conseguir dinheiro pra poder pagar as contas, ou qualquer outra coisa. Mesmo que a mãe dela pagasse as contas e ela só estivesse estudando. Ela começou a notar que as pessoas não ligam para o seu histórico, não ligam se você um dia já esteve ali, elas ligam para o que está acontecendo naquele momento. E então parou tudo.

- Galera. Vamos mudar tudo. - E assim todos os alunos pararam de anotar coisas no caderno e ela ganhou a atenção. - Hoje vocês estão liberados. Vocês não estão entendendo porra nenhuma do que eu estou falando e provavelmente eu não estou ajudando. A aula não foi preparada previamente. Eu peço desculpas, e vou tentar fazer algo diferente na quarta-feira.

Todo mundo ficou sem entender nada. Fecharam-se os cadernos. Os calouros achavam que era trote. E os veteranos aproveitaram o tempo extra para abusar dos calouros. As aulas de Carla melhoraram e ela notou que ela precisava dar a aula de Cálculo I pra recuperar a humildade. Mais pessoas compareceram a aula dela e Juliana ficou feliz com isso.

Mas não adiantou nada. Mais da metade da turma ficou reprovada em Cálculo. Juliana felizmente se salvou.

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